Jornada de Trabalho de 24H para Servidores da União Expostos a Raios-X

Mateus TerraBy Mateus Terra29 de maio de 201813 Minutes

Os servidores públicos da União que trabalham com substâncias radioativas, em especial com exposição a Raios-X, têm um direito que, apesar de ser existente em lei, é pouco conhecido e pouco aplicado: o direito a redução de jornada de trabalho para 24h (vinte e quatro horas) semanais.

Mesmo tendo o direito a redução de jornada garantido por lei, este direito tem sido negado administrativamente pela União e por suas autarquias, e os servidores acabam tendo que se valer de decisões judiciais, que têm garantido este direito.

1) Onde está prevista a jornada de trabalho de 24h semanais?

A jornada de trabalho de 24h semanais está prevista na lei 1.234/1950, em seu artigo 1º, que dispõe:

"Art. 1º Todos os servidores da União, civis e militares, e os empregados de entidades paraestatais de natureza autárquica, que operam diretamente com Raios X e substâncias radioativas, próximo às fontes de irradiação, terão direito a: a) regime máximo de vinte e quatro horas semanais de trabalho; b) férias de vinte dias consecutivos, por semestre de atividade profissional, não acumuláveis; c) gratificação adicional de 40% (quarenta por cento) do vencimento."

Aqui, vale esclarecer um ponto, que já foi dúvida de alguns clientes: o termo operar está sendo utilizado como sinônimo de trabalhar. Assim, não é necessário operar diretamente aparelhos que emitam Raios-X, e sim, trabalhar exposto a tal radiação.

2) Direito a Adicional e Férias Semestrais

Pois bem, feito o esclarecimento, passaremos rapidamente pelas alíneas “b” e “c”, por não serem o foco deste artigo. O adicional de 40% vem sendo substituído por diversas outras rubricas, tais como Adicional de Raio X, Adicional de Radiação Ionizante, entre outros, conforme alterações posteriores na lei.

As férias de 20 dias por semestre também são um direito dos servidores públicos da União que trabalham com substâncias radioativas, e tem sido concedido por alguns órgãos, enquanto outros tem rejeitado este direito. Há sua previsão específica também no art. 79 da Lei 8.112/1990, o RJU.

3) Afinal, quem tem direito à jornada de trabalho de 24h semanais?

A jornada de trabalho de 24h semanais tem sido reconhecida por inúmeras decisões judiciais, apesar da resistência da União. Os Tribunais tem reconhecido a validade e vigência da lei 1.234/1950, dando direito ao servidores, além da redução da jornada, ao pagamento das horas extras prestadas, observando-se o prazo prescricional.

O principal requisito exigido pelos Tribunais tem sido a exposição contínua, não eventual, a fontes de radiação, o que pode ser provado por documentos expedidos pelo próprio órgão ou mesmo por perícia, se for o caso.

Apenas para fins de exemplo e esclarecimento, trazemos aqui algumas decisões sobre o tema:

No TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que atende RJ e ES):

"Ementa: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR. CNEN. DIREITO A JORNADA DE 24 HORAS SEMANAIS. LEI 1.234/50. ADICIONAL DE IRRADIAÇÃO IONIZANTE. POSSIBILIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA. SENTEÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1. Cuida-se de ação objetivando o reconhecimento do direito à jornada semanal de 24 (vinte e quatro) horas e ao pagamento das horas extras trabalhadas calculadas sobre o regime semanal de 40 horas por servidora pública integrantes da estrutura da CNEN, exposta à agentes nocivos. 2. Preliminarmente, declara-se a prescrição das parcelas referentes ao quinquênio anterior ao ajuizamento da ação, dada a inexistência de pedido administrativo anterior, em virtude das disposições contidas no Decreto nº 20.910/1932, e em conformidade com a Súmula nº 85/STJ, por tratar-se de relação jurídica de trato sucessivo. 3. O artigo 1º da Lei nº 1.234/50 abrange todos os servidores públicos, além de ser inadmissível sua leitura de forma exaustiva, mesmo porque, não poderia eximir-se a administração ao pagamento de uma gratificação devida a quem trabalhou de fato em condições adversas, ainda que o servidor designado não fosse ocupante de um dos cargos determinados pelo decreto, ao fundamento de que tanto o adicional de insalubridade quanto a gratificação de raio-x ou adicional de irradiação ionizante são um pagamento obrigatório sempre que verificadas condições adversas à saúde do trabalhador, em graus mínimo, médio e máximo. 4. Não houve revogação da lei específica nº 1.234/50 pelo RJU, pela simples leitura mais atenta do artigo 70 do referido diploma, assim como não há que se falar de sua não recepção pela Constituição de 1988, em razão de que os limites impostos tocantes à jornada de trabalho não excluem as situações acobertadas pela especialidade, cuja previsão sedia-se ainda mesmo na Lei nº 8.112/90, em seu parágrafo 2º do artigo 19. Precedentes. 5. É sabido que o pagamento da gratificação de raio-x e/ou do adicional de irradiação ionizante em comento, efetivado, nesta hipótese, por meio de provas documentais de simples análise, tais como os contracheques colacionados aos autos, não se daria sem a prévia instalação de um procedimento administrativo hábil à verificação das condições de trabalho, até para computo do percentual devido aos servidores, sendo robusta a prova documental produzida nestes autos favoravelmente ao pleito autoral. 6. Quanto aos juros e correção monetária aplicam-se os índices previstos no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, até a data da inscrição do requisitório, alinhado com entendimento firmado na Suprema Corte exarado em consequência das repercussões decorrentes do tema versado nas ADIs 4.357 e 4.425, embora ressalve posicionamento a favor do IPCA-E, por ser medida de justiça e em razão de ser o índice que melhor reflete as perdas decorrentes da inflação, mais aptas à garantia do credor fazendário do direito à propriedade. 1 7. Apelação parcialmente provida, para delimitar a prevalência da TR, prevista na Lei nº 11.960/2009, até a data da expedição do precatório, data a partir da qual incidirá o IPCA-E. (Apelação nº 0147782-17.2015.4.02.5101. 6ª Turma Especializada do TRF-2. Relator Des. Alcides Martins Ribeiro Filho. Julgamento em 08/02/2017)."

No STJ (Superior Tribunal de Justiça):

"ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR. CNEN. APLICAÇÃO DA LEI 1.234/50. REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO. EXPOSIÇÃO DIRETA E PERMANENTE A RAIOS X. REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. Discute-se nos autos a possibilidade de redução da jornada de trabalho de 40 para 24 horas semanais de servidor que atua, de forma habitual, exposto à radiação, conforme o disposto no art. 1º da Lei 1.234/50. 2. Nos termos do art. 19, caput, da Lei 8.112/90, os servidores públicos cumprirão jornada de trabalho de duração máxima de 40 horas semanais. Contudo, o seu § 2º excepciona a adoção de jornada laboral diferenciada para os servidores públicos submetidos a legislação especial. 3. O art. 1º da Lei 1.234/50 estabelece que os servidores da União, civis e militares, e os empregados de entidades paraestatais de natureza autárquica, que operam diretamente com Raios X e substâncias radioativas, próximo às fontes de irradiação, terão direito a regime máximo de vinte e quatro horas semanais de trabalho. 4. Hipótese em que o Tribunal de origem, em conformidade com as provas dos autos, expressamente consignou que o autor exerce cargo público que o expõe habitualmente a raios X e substâncias radioativas. Desse modo, modificar o acórdão recorrido para afastar a aplicação da referida lei como pretende a ora agravante requer, necessariamente, o reexame de fatos e provas, o que é vedado ao STJ, em recurso especial, por esbarrar no óbice da Súmula 7/STJ. Agravo interno improvido. (AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL nº 2015/0277727-1. 2ª Turma. Rel. Min. Humberto Martins. Julgamento em 07/04/2016)."

No mesmo sentido temos inúmeras decisões, que compõe o entendimento majoritário dos Tribunais.

4) Preciso Receber Gratificação de Raio-X para Ter Direito à Jornada de Trabalho de 24h Semanais?

Não necessariamente. A lei só exige que você esteja exposto.

Muitos órgãos pagam apenas o Adicional de Radiação Ionizante como forma de tentar afastar a categorização de exposição a Raios-X.

Além disso, a União, seus órgãos e autarquias se recusam a pagar cumulativamente a Gratificação por Trabalhos com Raios-X e o Adicional de Radiação Ionizante, por uma orientação ministerial.

Isso não afeta a possibilidade de requerera a jornada de trabalho de 24h semanais para os servidores da União expostos à Raios-X.

Aliás, é possível ajuizar uma ação para receber os dois benefícios ao mesmo tempo, Gratificação por Trabalhos com Raios-X e Adicional de Radiação Ionizante. Não é o tema deste post, mas falaremos do assunto em um post futuro.

5) Mesmo após a aposentaria, posso requerer horas extras?

Caso você se enquadre nos requisitos para a redução de carga horária, mesmo após a aposentadoria, pode requerer o pagamento de horas extras eventualmente prestadas além da jornada de trabalho de 24h semanais.

Existe o requisito adicional que só é possível a cobrança dos valores eventualmente devidos até 05 anos do ajuizamento do processo. Assim, se sua aposentadoria ocorreu a menos de 05 anos, é possível buscar esse direito judicialmente.

6) Conclusão

Como pudemos ver, os Servidores Públicos da União, em regime estatutário, que trabalham expostos a Raios-X, têm tido o reconhecido seu direito à jornada de trabalho de 24h semanais.

No entanto, esse reconhecimento tem ocorrido unicamente pela via judicial, sendo imprescindível ajuizar uma ação que declare seu direito.

Além disso, tem sido reconhecido seu direito ao recebimento de horas extras, contadas de 5 anos anteriores ao início da ação até a efetiva implementação da jornada de trabalho de 24h.

Importante: esse entendimento não se aplica aos técnicos em radiologia, que possuem normativa própria.

É importante consultar um advogado especializado para analisar o seu caso específico. Caso tenha restado alguma dúvida, estamos à disposição.

Mateus Terra
Sócio Fundador do Terra Advogados
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